O Centésimo Post

Respirava fundo com os lábios crispados... A cor negra estava prevalescendo em seu vestuário tinha muito tempo... Ela tinha largado o pc ligado em sua casa... Por um momento simples de raiva... Ou poderia se dizer outra coisa? Tinha vontade de gritar... mas sufocava o grito naquela vontade louca de espancar alguém... Mas se continha também... Andava de um lado para o outro na frente de um banco... Perto de uma praça para ser mais precisa... Rebuscava o ar de forma exasperada... Então era assim... Sempre fora assim... Ela passava as noites com os olhos atentos.. minuciando as linhas coloridas... Vendo às vezes desabafos... Vendo às vezes momentos de alegria... Querendo dizer algum desaforo de vez em quando... Mas não podia... Não... Ela tinha prometido se conter... Nem que para isso em momentos de depressão... Quando era ela quem precisava... Ela iria conter toda aquela vontade de gritar e guardaria suas lágrimas... Não... As lágrimas não deviam ser derramadas por simples momentos de fraqueza... Jamais... O banco então era observado de esgueio... Aquele misto de fúria... De solidão... De angústia... De tristeza.. sabia o que aquele único banco solitário estava fazendo... Ele a convidava... Convidava para se sentar nele e sentir o vento frio daquela noite de Inverno... E Ela cedia ao pedido silencioso... Sentando-se... Reclinando um pouco o corpo para frente. Apoiando os braços sobre os joelhos e parte de suas coxas... Deixando que seus olhos se fixassem ao chão enquanto uma mecha de seu cabelo bicolor escapava e balançava com o murmurar de Boreas.
- Não... Eu não irei contar meus segredos...
Unia as mãos uma a outra... Como alguém que iria fazer uma prece em busca de uma ajuda... De alguém que a escutasse... Ou que compreendesse o que ela estava passando naquele momento... Mas apenas um suspirar longo fazia com que ela fechasse seus olhos... Como se a escutar um murmurar em sua mente. Respirava aquele ar frio... Sentindo as carícias do Vento Norte... Mantendo ainda suas mãos unidas... A mente processava as últimas informações que foram lidas... Estava tudo certo... Agora só faltava ela conseguir acalmar aqueles sentimentos todos que a deixavam tão sucestível a soltar palavras que jamais deviam ser lidas por ninguém... Pois Keyra sabia o poder que as palavras possuíam. Pensava... Repensava... E aquela angústia ainda podia ser sentida em sua alma... Uma angústia que se transformava em raiva... Uma raiva que se transformava em descrença... Ela soltava as mãos que estavam unidas e seus olhos observam aquela praça que se encontrava... A praça estava até calma... Tranqüila em seu modo de ser... O bar tão disputado ela nem se preocupou em passar por ele... Nem mesmo iria vagar perto do lago que tinha no outro lado do parque... Justamente porque lá era local de encontro de amantes... Não iria segurar velas... Nem mesmo daria a chance para assaltantes que espreitavam os casais desavisados... Não... Não... Aquilo não era com ela... Keyra respirava fundo mais uma vez... Estava começando a controlar tudo aquilo sem ter que recorrer a outro vício... um vício que só vinha quando a situação estava realmente ruim... E ela conseguia se acalmar cada vez mais... Aos poucos recostava as costas no encosto do banco da praça e erguia seus olhos... Ainda sentia o vento gelado tocar-lhe a face... Ainda podia escutar aquela voz baixa que parecia presente em sua mente... Sua consciência? Seu ego? Ou seria a voz de alguém que ela escutava algumas vezes e que conseguia a acalmar... Nada era certo... Apenas um riso que escapa... Um riso incrédulo em que as palavras vinham com os olhos querendo lacrimejar.
- E não é verdade?
Mais uma vez ela reclina o corpo para frente... Voltando a apoiar os braços nas pernas e voltando a olhar o chão.
- Não... Eu... Não posso...
Já tinha ficado tempo demais naquele banco... Já tinha ficado tempo demais sentindo o abraço de Boreas e não conseguia mais ficar ali... Keyra ergue-se daquele banco... colocando as mãos nos bolsos do casaco negro... Observando o aspecto do chão daquela praça a cada passo que ela se afastava... Não... Aquela noite não era uma noite para bar... Nem mesmo para filmes de ação... Policial... Suspense ou o que quer que fosse... Tinha tempos que ela sabia o que era se divertir fora de casa... Talvez devesse sair mais vezes... Talvez não... Quem saberia no final das contas? Ninguém... E sabe por que ninguém? Porque todos se preocupavam com a vida alheia... Todos se preocupavam em espiar os pecados dos outros... De dizer isso ou aquilo de que fora feito de errado... De criticar... Sim... Sim.. Isso era a verdadeira natureza humana... O verdadeiro veneno que corroía as almas humanas... Mas Keyra estava voltando a ser silenciosa... Estava voltando a ser uma heremita... Tal qual sua carta de Tarô... Os olhos erguem-se aos poucos a cada passo que era dado em seu afastar... Não mais havia apenas o som de seus passos, nem mesmo apenas o cantar melancólico de Boreas que bailava com as folhas a farfalharem... Mas não poderia existir apenas isso... Afinal... A Dama Noite possuía muitos outros sons... Sons que poderiam ser percebidos apenas por pessoas que se mantinham atentas... Ou as pessoas que estavam há muito tempo convivendo com o silêncio... Keyra parava seus passos... Naquela noite ela não estava tão alheia quanto alguns dias atrás... Não... Não... Não a Keyra que no dia de hoje teve vontade de gritar e mandar as pessoas calarem a boca em assuntos que não se deviam tratar... Não quando ela teve vontade de chorar... De xingar... E então seus passos paravam por um momento... À meio caminho de deixar aquela praça... A meio caminho de permanecer naquele lugar... Como ela tinha feito mais cedo ao ficar andando de um lado para outro na frente de um banco... Um banco ao qual ela abandonara.